terça-feira, 28 de janeiro de 2020

Psicoterapia Contemplativa - Benefícios

Imagem: Nolan Pelletier


BENEFÍCIOS DA PSICOTERAPIA CONTEMPLATIVA

A Psicoterapia Contemplativa é recente no Ocidente, mas tem origem secular budista (Budismo Tibetano Vajrayana), já reconhecida e amplamente pesquisada em centros universitários americanos com enormes benefícios para a saúde mental, depois dela já surgiram técnicas como a Terapia da Auto Compaixão de K Neff e a Terapia Focada na Compaixão de Paul Gilbert. O processo terapêutico começa com o reconhecimento da sanidade básica do paciente e não com os seus dilemas e neuroses.

Meu desejo com este texto é abordar alguns dos princípios fundamentais da psicoterapia contemplativa, de modo a poder dirimir dúvidas e esclarecer aspectos poucos conhecidos desta técnica terapêutica que surgiu assim como outras da Psicologia Budista ou Psicologia do Autoconhecimento.

Um dos aspectos importantes da Psicoterapia Contemplativa é que todos os seres, independente das circunstâncias que estão vivendo no momento são fundamentalmente saudáveis. E na Psicologia Budista esta sanidade fundamental é conhecida como natureza búdica ou bondade básica; na Universidade de Naropa é chamada de sanidade brilhante. Quando reconhecemos que nosso cliente tem dentro de si mesmo uma sanidade brilhante ou uma natureza búdica estamos basicamente trabalhando a partir de uma premissa otimista que aponta para uma visão de que todo ser humano tem a capacidade de desenvolver a clareza mental, compaixão, empatia, atenção plena e consciência.

Partimos do princípio que todo ser já tem dentro de si os componentes necessários para encontrar o caminho que irá leva-lo à cura ou aceitação de seus dilemas com a felicidade genuína – ser feliz apesar das circunstâncias, isto não significa negar ou encobrir o sofrimento, reconhecemos o sofrimento que pode ser observado em nosso mundo, os conflitos, as doenças, a violência e todas as dificuldades e obstáculos que existem em toda parte, mas podemos compreender o nosso sofrimento e o quanto o sofrimento dos outros também nos fazem sofrer, mantendo a sanidade básica e a qualidade de presença que nos mantêm conectados com a felicidade. Portanto cabe ao terapeuta ajudar seu cliente a se reconectar com a sua sabedoria e compaixão internas e usá-las para desenvolver a autoconfiança em nome de sua própria sanidade e compaixão inerentes.

Estamos sempre olhando para o sofrimento e assim perdemos o contato com a nossa própria sanidade, mas podemos perceber que ela está lá quando nos momentos de alegria, bondade, ternura, gentileza, surpresas, experiências enriquecedoras e intensas que superam o medo e as nossas vulnerabilidades, ou mesmo quando vivemos momentos de tristezas, luto ou pesar e sabemos internamente o que devemos fazer. São nestes momentos que temos a clareza mental e o coração aberto que caracterizam a sanidade brilhante. Também nestes momentos percebemos que estamos plenamente conectados com o momento presente, atentos e focados mesmo que seja por minutos.

O terapeuta contemplativo busca recordar no seu cliente a sua sanidade brilhante com perguntas como: “Como sente seu corpo neste momento presente?”, “Como se percebe por dentro ao falar sobre a experiência?”, “Ao observar o ambiente ao seu redor, como você se sente, o que vê e ouve?”. Técnicas como o Body Scan ajudam o cliente a compreender o que seu corpo esconde de informações, e a reconectar mente e corpo de forma a reconhecer e nomear sentimentos e emoções para então regulá-las. O terapeuta contemplativo ajuda o cliente a ver seus hábitos neuróticos e não ser arrastado por eles.
No set terapêutico também valorizamos as histórias, pensamentos e sentimentos vivenciados pelo cliente no passado, não de forma a virar uma conversa intelectual, buscando vítimas e culpados, mas para compreender como o que aconteceu no passado ainda influencia o presente, e não pela curiosidade pelo passado.

O “ego” na Psicologia Budista

Outro aspecto importante para compreender é porque perdemos contato com a nossa sanidade fundamental? A Psicologia Budista (dentro dos ensinamentos de Budha há uma psicologia profunda e treinamentos da mente que podem ser aplicados para qualquer pessoa independente de sua crença religiosa/espiritual e que nada tem a ver com a religião budista) ensina que acreditamos erroneamente em algum tipo de identidade fixa e independente dentro de nós.  Esta identidade tem um senso de urgência, a capacidade de usar a lógica e reconhecer a sua própria experiência, aspectos que por si só não seriam um problema, mas, o que na verdade se torna um problema é o fato de que esta identidade se apega a si mesmo, vê-se como fixa, permanente, separada, única. Para esta identidade a Psicologia Budista usa a palavra “ego”, porém os ensinamentos da Psicologia Budista revelam que esta identidade não existe de fato, e quanto mais a valorizamos e tentamos mantê-la, mais fracassamos e sofremos, porque nada é permanente, tudo muda a todo instante, nada se repete. A vida é fluxo constante para frente, não retorna e não se fixa em uma única experiência.

O cliente aprende então a interromper sua luta constante para manter esta identidade fixa, com ferramentas como a criatividade, flexibilidade, receptividade, bondade, gentileza, autocompaixão a cada experiência da vida, desenvolvendo a sabedoria, compaixão e empatia inerentes a todo ser. E isso não é matar o ego, porque não tem como matar o que de fato não temos, já que do ponto de vista da Psicoterapia Contemplativa nunca tivemos esta identidade  tão fixa e imutável, o que temos são crenças equivocadas a seu respeito.

Interação terapeuta e cliente

A interação entre terapeuta e cliente no set terapêutico é constante, o terapeuta também pode perceber sinais em si mesmo do que o cliente está falando, inclusive as emoções, por isso também cabe ao terapeuta desenvolver a sabedoria e a compaixão por si mesmo e pelo outro.  Ao compreender isso o cliente entende que a troca é comum em todo tipo de relacionamento, muitas vezes o que estamos sentindo de fato não é nosso, mas fruto do intercâmbio entre as pessoas que estão vivendo a mesma experiência. Por exemplo, se estou em um ambiente onde as pessoas são muito ansiosas, embora eu não sofra ou tenha um baixo nível de ansiedade posso sentir – me extremamente ansioso também e passar a acreditar que sofro de ansiedade em alto nível. O terapeuta contemplativo também deve valorizar a troca, deve desenvolver em si mesmo a atenção plena, a autocompaixão, a bondade amorosa, a gentileza e a empatia porque isso permitirá que o cliente também experimente essas qualidades e habilidades.

O Terapeuta Contemplativo deve então buscar desenvolver a qualidade de presença, curiosidade, compaixão e bondade amorosa sem críticas e julgamentos. A prática contínua da meditação, expansão da sua consciência, aprendendo a abandonar pensamentos conflitantes ou ruminantes e buscando o autoconhecimento; lembrando que o seu cliente estará absorvendo sua experiência de troca no set terapêutico são de extrema importância. Terapeutas que praticam persistentemente a meditação Mindfulness e as técnicas de autocompaixão têm menor probabilidade de confundir seus próprios dilemas e sofrimentos com os de seus clientes, conseguem reconhecer e lidar com o que está absorvendo de suas experiências, sabe a diferença entre ter uma experiência direta e pensar em estar vivendo uma experiência, não se apega a uma identidade fixa sobre si mesmo como sendo melhor do que de seu cliente, mantêm uma amizade sincera consigo mesmo e incentiva a criação desta amizade no seu cliente para consigo mesmo.

A Verdade do Sofrimento

O Budismo ensina muito sobre a verdade do sofrimento. Budha ensinou que sofremos simplesmente por estarmos vivos, mas ele também ensinou que adicionamos sofrimentos desnecessários quando nos apegamos ao que nem existe, nossa identidade, bens materiais ou situações que acreditamos que nos farão felizes em algum momento.

Em outros ensinamentos aprendemos que existe o sofrimento inevitável de estarmos vivos (nascer, envelhecer, ficarmos doentes, luto e morte), e também ensina que ao longo da vida acrescentamos sofrimentos desnecessários – porque desesperadamente tentamos escapar do sofrimento inevitável, negamos a verdadeira natureza da realidade, nos apegamos às ilusões criadas por nossa mente e rejeitamos arduamente o que não queremos. A Psicologia Budista não é de forma alguma negativista, ela nos faz enxergar a dor do inevitável, a respondermos em vez de reagirmos, a não nos culparmos pela dor do inevitável e não nos julgarmos veementemente.

O cliente então pode olhar para o que lhe causa o sofrimento, a origem da dor de forma responsável e quais são os caminhos da cessação deste sofrimento desnecessário, desfazendo crenças e comportamentos nocivos, aplicando os antídotos para as emoções venenosas, respondendo às situações com ética e discernimento, em suma recuperando o domínio sobre a compaixão e a sabedoria inerentes – sua sanidade básica.

Algumas técnicas utilizadas no set terapêutico incluem a atenção plena (Mindfulness), a expansão ou desenvolvimento da consciência, a bondade amorosa e a gentileza. São práticas importantes para diminuir ou curar o sofrimento desnecessário em todas as áreas da vida. Desenvolver a atenção plena significa desenvolver a qualidade de presença no momento presente, sem críticas ou julgamento, aceitando os detalhes da experiência vivida, diminuir ou conter a valorização dos pensamentos e observar e controlar as emoções destrutivas. Quando aprendemos a importância da atenção plena, desenvolvemos a nossa consciência, e com ela vem junto a clareza mental, uma visão mais ampla dos aspectos da experiência. Para isso o terapeuta usa perguntas como: “de que outra forma você pode olhar para esta situação?”. A abordagem do problema sobre perspectivas diferentes libera o desenvolvimento da inteligência emocional e da criatividade, muitas vezes até libera o humor contido dentro da angustia e tristeza.

Outra técnica importante é a bondade amorosa, a bondade incondicional que podemos ter com todos os aspectos da vida. Isto significa olhar para a raiva, o ódio, intolerância, impaciência, autoagressão, vitimização etc. que só fazem aumentar o sofrimento desnecessário. É um convite para abrir o coração, ampliar os pontos de vista, aumentar a curiosidade e melhorar a qualidade da conexão humana nos diferentes relacionamentos.

Cabe ao terapeuta contemplativo reconhecer que a sanidade básica pode estar escondida ou mascarada dentro da profusão de emoções conflitantes. Todas as emoções, sejam elas positivas ou negativas contêm uma sabedoria inerente, por isso a Psicologia Budista tem antídotos para cada emoção destrutiva ou venenosa, cabe ao terapeuta explorá-las, ajudar o cliente a nomeá-las e aplicar os antídotos, em vez de reprimi-las, ignorá-las ou tentar se livrar delas. Atualmente sabemos que as emoções reprimidas podem causar muitos danos à saúde física e mental. Assim, em vez de fugir ou negar as emoções venenosas, precisamos reconhece-las e nomeá-las, ter curiosidade sobre o que sentimos, derramar lágrimas, perceber a raiva e a agressividade chegando com atenção plena e autocompaixão, sentindo plenamente e percebendo as nossas reações automáticas.

A importância da fusão entre o conhecimento da Psicologia Ocidental com a Psicologia Budista, entre mente e ciência – tem possibilitado uma visão mais ampla e significativa do conhecimento sobre a mente humana. A Psicoterapia Contemplativa integra um treinamento profundo em psicoterapia, atenção ao terapeuta, ao cliente e também aos ensinamentos das escolas budistas e principalmente ao Budismo Tibetano. 

A Psicoterapia Contemplativa é um curso de graduação na Universidade de Naropa e também na Universidade de Emory e contextualiza seus conceitos e práticas principais com relação aos fatores terapêuticos comuns, as estruturas budistas tibetanas, teorias de patologia e intervenções que caracterizam a Psicoterapia Contemplativa, tendo como fundamentações básicas a Mindfulness e a Compaixão do clinico. Atualmente a medicina reconhece o potencial de aprimorar os fatores comuns e os resultados terapêuticos das disciplinas que trabalham em set terapêutico. Muito ainda há para ser explorado nas práticas de desenvolvimento da atenção plena, da compaixão e da autocompaixão, bondade amorosa e gentileza. A Neurociência já descobriu a influência do estado de felicidade e emoções positivas no cérebro, apontando inclusive as áreas do cérebro envolvida com a felicidade. Budha já ensinava sobre a importância de aplicarmos os antídotos emocionais no tratamento das emoções destrutivas. Porque não investigar, explorar mais e ampliar o campo de cura levando em consideração os componentes que promovem a felicidade e o bem-estar.

Sonia A F Santos (Tsuldrin Dechen) – Psicoterapeuta Contemplativa. Estuda e ensina filosofia e psicologia budista. Aluna e discípula de Geshe Ngawang Phende Phd e Professor de Psicologia Budista da Universidade de Emory em Atlanta. Palestrante, Instrutora e Terapeuta em Mindfulness e Compaixão. Mestranda em Mindfulness e Compaixão aplicado a equipe multidisciplinar em Oncologia. Atende com hora marcada em consultório próprio.


Referencias:
·        Contemplative Psychotherapy Essentials – Karem Kissel Wegela
·        Reducing Suffering – Geshe Ngawang Phende
·        Resgate Emocional – Dzogchen Ponlop
·        Muito Além do Divã Ocidental – Chogyam Trugpa
·        Mindfulness e Psicoterapia – C. Germer e Ronald Siegel
·        Pensamentos sem pensador – Mark Epstein
·        Why Buddism is True – Robert Wright

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