sábado, 21 de julho de 2018

Vantagens e Riscos de uma pratica meditativa




Atualmente vivemos uma fase de grande empolgação nas praticas meditativas, mais de 6000 artigos científicos publicados promovem os enormes e profundos benefícios para a saúde física mental e emocional, o desenvolvimento espiritual, transformações na estrutura cerebral, melhora nas perspectivas, criatividade, memória, aumenta a inteligência cognitiva e muito mais. Assim como o numero de publicações crescem, também crescem os locais de prática e isso é muito bom, pois aumenta o acesso de interessados na prática.

O que muitos desconhecem são os riscos da prática. Na minha experiência tanto como professora de filosofia oriental e ciência contemplativa como terapeuta, a meditação pode ser sim prejudicial, razão pela qual as minhas aulas são sempre acompanhadas de estudos de textos para que o aluno possa conhecer as bases filosóficas que desenvolveram a técnica, conversa individual para conhecer o aluno e sua busca, sua saúde emocional, física e mental. Desta forma conheço bem cada aluno, e sabendo antes se uma determinada prática serve a todos do grupo. Primeiro porque as necessidades e expectativas podem ser diferentes, assim como é a personalidade de cada um.  Por exemplo: uma pessoa extrovertida ou hiperativa, dificilmente obteria bons resultados numa pratica de Shamatha ou de Vypassiana; porém uma pratica de Yoga Nidra que segue uma condução com tonalidade vocal adequada e é previamente preparada para atingir um propósito, funcionaria muito bem. Uma pessoa que sofre de artrose ou algum outro problema na coluna vertebral não pode ficar sentada em determinada postura por um longo tempo, pessoas com Transtorno de Stress Pós Traumático são mais vulneráveis ​​psicologicamente e podem experimentar dificuldades ainda piores do que outras com esses técnicas de meditação passiva; transtornos de personalidade e quadros depressivos também podem tender a se agravar caso não sejam bem acompanhados.

Como a meditação promove o contato com o mundo interno, dependendo do que o praticante acumula dentro de si, e o quanto se desconhece a pratica de meditação pode liberar: angústias, medos, anseios, emoções destrutivas, bloqueios emocionais e mentais, transtornos, síndromes, abusos, imagens traumáticas, ansiedade, quadros depressivos ou seja, uma pintura de Dorian Gray. Muitos pesquisadores estão estudando os efeitos colaterais de uma prática de meditação não acompanhada por um professor experiente em aplicar técnicas adequadas. Alguns pesquisadores falam dos riscos:

1. Kutz et al. (1985a, b) descreveram os efeitos colaterais da meditação, como soluços e liberação de memórias ocultas e temas do passado: incesto, rejeição e abandono.

2. Outros efeitos adversos descritos (Craven, 1989) são desconfortáveis ​​sensações cinestésicas, dissociação leve, sentimentos de culpa e, através de fenômenos provocadores de ansiedade, sintomas semelhantes à psicose, grandiosidade, euforia, comportamento destrutivo e sentimentos suicidas.

3. Shapiro (1992) descobriu que 62,9% dos sujeitos relataram efeitos adversos durante e após a meditação e 7,4% experimentaram efeitos profundamente adversos. A duração da prática (de 16 a 105 meses) não fez diferença na qualidade e frequência dos efeitos adversos. Esses efeitos adversos foram ansiedade e pânico induzidos pelo relaxamento; aumentos paradoxais da tensão; menos motivação na vida; tédio; dor; teste de realidade prejudicada; confusão e desorientação; sentindo-se "espaçado"; depressão; aumento da negatividade; sendo mais crítico; e, ironicamente, se sentindo viciado em meditação.

Como Psicoterapeuta que utiliza técnicas da Ciência Contemplativa no set terapêutico,  conheço os profundos benefícios que cada técnica proporciona, para que tipo de personalidade, o que devo esperar em reações x respostas, sempre faço ficha de Anamnese e busco saber se o cliente também se trata com Psiquiatra por exemplo, faço questão que este profissional saiba da técnica que vou usar e me dê seu aparecer, assim os benefícios são realmente sentidos e absorvidos pelo cliente. Mas nunca recomendo que pratiquem em um lugar sem antes conhecerem quem será o professor, sua experiência e que tipo de acompanhamento ele oferece antes e depois de cada prática.

Além de que infelizmente muitas pessoas não acreditam que um processo psicoterapêutico possa ajudá-las não só a se autoconhecerem mas também a obterem controle e equilíbrio emocional para as diferentes circunstâncias e experiências. Infelizmente para muitos a terapia ainda é considerada tratamento para doentes, assim como para muitos profissionais da saúde a meditação é uma pratica inofensiva.

Há muitos anos oriento retiros de estudos silencio e meditação. E sempre observo cada aluno e a  liberação de conteúdos: emocional, mental, física e espiritual que estão armazenados, e que nestas ocasiões encontram portas abertas para revelar tanto aspectos positivos como sombrios. Como vivemos tempos de multitarefas, cobranças intensas na vida profissional e pessoal, relacionamentos conturbados; fazemos muito pouco para processar os conteúdos emocionais e mentais, resultando assim em um enorme arquivo de informações mal processadas no corpo e no inconsciente. 

Retiros prolongados de meditação são momentos de muitas descobertas de si mesmo, e nunca devem ser feitos sem antes os alunos conheçam a programação, técnicas, posturas, exercícios respiratórios, e que profissional estará à disposição deles caso sintam desconfortos emocionais e mentais, assim como devem comunicar ao orientador de há algum problema de saúde física. Infelizmente já conheci casos que houveram danos à coluna vertebral devido a longas horas de pratica sentada em posição imóvel, sem que o aluno conhecesse a gravidade de seu caso e nem tivesse avisado ao professor do problema de saúde.

Quando sentamos para praticar meditação, desaceleramos, ficamos quietos e nos conectamos com todo esse arquivo ou conteúdo guardado no nosso mundo interno, estes conteúdos podem emergir, causando mais danos do que podemos imaginar, e faz mais mal do que bem, muito embora a princípio o praticante saia da prática sentindo-se aparentemente relaxado. Mas já aconteceu que durante uma prática de meditação Mindfulness, um aluno indicado por uma colega psicóloga, que tinha tido um AVC, e estava se adaptando às sequelas, teve um desequilíbrio emocional, movido por um profundo ódio. Após retirá-lo da sala, acalmá-lo e chamar um acompanhante, descobri que ele sofria de Transtorno de Personalidade Bordeline, são situações que muitas vezes não podemos prever.

As práticas meditativas  são muitas vezes mal entendidas e romantizadas, alunos surgem buscando apenas relaxamento, concentração, ou atenção, outros estão atrás de uma prática espiritual, outros adotam uma religião sem conhecer profundamente a filosofia, conceitos, preceitos apenas por modismo ou comodismo. 

Mas o que a grande maioria não sabe é que a meditação ou – dhyana (sétimo Anga dos Sutras de Pantanjali) – é um processo para elevar a energia espiritual e atingir a iluminação ou despertar a espiritualidade. No Budismo é um treinamento da mente, são mais de 84.000 técnicas em processo evolutivo de dificuldade e com objetivos diferentes, a mais estudada atualmente é a técnica mais simples aplicada em leigos e/ou monges iniciantes chamada de Shamatha ou Anapanasati e conhecida no Ocidente como Mindfulness – este treinamento deve desenvolver clareza mental, estado de plenitude e paciência – necessários para as técnicas mais complexas. Além de que o Budismo tem diferentes escolas, que ensinam de forma diferente com técnicas meditativas diferentes e  até mesmo os monges e os tulkus passam longos anos estudando, fazendo retiros antes poderem ensinar.

No Yoga, o Anga Dhyana não é considerado fácil nem agradável, é o penúltimo Anga, a muito a ser feito antes de se chegar a ele, daí a necessidade de um professor de Yoga, e para quem quer ir mais longe nesta busca, há a necessidade de um professor de espiritualidade ou mesmo um guru ou Mestre (Guru – significa um dissipador de trevas – porque reflete o quão arriscada e perigosa é a jornada na busca do Ser), não se chega a iluminação ou despertar espiritual simplesmente lendo livros.

A prática da Mindfulness foi trazida ao Ocidente na década de 1970 por Phd Jon Kabat Zinn, ela tem sido muito estudada e aplicada em diferentes contextos clínicos e apresentado muitos benefícios, mas atualmente especialistas principalmente na Psiquiatria tem alertado para o uso indiscriminado da técnica sem os devidos cuidados, como alerta o Phd Thomas Joiner. 

Precisamos saber distinguir corretamente os conceitos de saúde mental e doença mental. Uma vez estabelecido que a prática da meditação requer um grau de integridade psicológica, permanece o fato de que ninguém é desprovido de saúde mental. ou totalmente livre de doença mental. As pessoas têm pontos fortes e fracos.  Podemos dizer que o reparo e o despertar do ego são dois processos que ocorrem de forma separada  e simultânea, que podem se misturar e influenciar uns aos outros sinergicamente. Essa interação simbiótica é mal compreendida e exige um profundo entendimento de como a meditação estimula processos de  cura em desequilíbrios emocionais e mentais. Ao discernir as sequelas psicológicas terapêuticas de uma prática de meditação, os profissionais da área da saúde mental podem se aliar a um professor de meditação experiente para desenvolver a estrutura conceitual necessária para aplicar técnicas de maneira adequada, inteligente e eficaz em seu trabalho com os pacientes.

Para concluir, a meditação é uma prática muito poderosa, benéfica que promove grandes transformações, mas que pode produzir efeitos desagradáveis e até mesmo prejudiciais, portanto, deve sempre ser praticada sob a orientação de um professor experiente, que ofereça técnicas adequadas a cada aluno e sua necessidade ou propósito, e que tenha capacidade de lidar de maneira significativa com o conteúdo liberado.

Referencias:

JOINER, THOMAS , (2017) - Mindlessness: The Corruption of Mindfulness in a Culture of Narcissism. Oxford University Press.

CRAVEN, JL (1989). Meditação e psicoterapia, Canadian Journal of Psychiatry, 34, pp. 648-653.
KUTZ, I., BURYSENKO, JK & BENSON, H. (1985a). Meditação e psicoterapia: uma justificativa para a integração da psicoterapia dinâmica, a resposta de relaxamento e a meditação da atenção plena, American Journal of Psychiatry, 142, pp. 1-8.

KUTZ, I., LESERMAN, J., DORRINGTON, C., MORRISON, CH, BORYSENKO, J. & BENSON, H. (1985b). Meditação como um complemento à psicoterapia, um estudo de resultado, Psychotherapy Psychosomatics, 43, pp. 209-218.

SHAPIRO, DH (1982). Visão geral: comparação clínica e fisiológica da meditação com outras estratégias de autocontrole, American Journal of Psychiatry, 139, pp. 267-274. SHAPIRO, DH (1992). Efeitos adversos da meditação: uma investigação preliminar de meditadores de longo prazo, International Journal of Psychosomatics, 39, pp. 62-67.

PEREZ-DE-ALBENIZ, A. & HOLMES, J. (2000). Meditação: conceitos, efeitos e usos em terapia. International Journal of Psychotherapy, vol. 5 edição 1, 49-59.



2 comentários:

  1. Muito bom! Um link que pode complementar, fala sobre a importância do contexto e da cultura na prática meditativa.
    https://soundcloud.com/yoga-contempor-neo/neurobiologia-e-filosofia-da-meditacao-palestra-na-casa-do-saber-2018

    ResponderExcluir
  2. Mais um artigo interessante sobre o tema:
    Vejam, portanto, que meditar é seguro. São muito incomuns os efeitos colaterais. Com exceção dos psicóticos, eles só acontecem naqueles que querem forçosamente "conduzir" os efeitos, "gerar" as conseqüências da meditação, ao invés de apenas praticá-la tranquilamente. Meditação não é auto-hipnose. Meditação não é imaginação criativa. Ela é prática, sossegada, sem expectativas e sem violentar o processo. O fenômeno não precisa ser buscado, pois ela já é o próprio fenômeno, quando leva ao seu típico estado modificado de consciência. Na meditação, o imponderável já está presente, em si mesmo, e apenas ele levará a saltos quânticos de consciência, quando e como for oportuno. Basta, apenas, meditar, meditar, meditar… …e confiar.
    http://www.redepsi.com.br/2008/12/10/eventuais-efeitos-colaterais-da-medita-o/

    ResponderExcluir