sábado, 27 de outubro de 2018

A Ciência da Compaixão




Você sabia que existe a Ciência da Compaixão? E que a Compaixão é uma ferramenta poderosa e cientificamente comprovada?

Vivemos tempos complicados, com uma verdadeira epidemia de solidão, transtornos mentais como depressão e ansiedade, fobias e síndromes diversas, infelizmente parece que virou algo comum. Mesmo quando temos condições matérias de suprirmos as nossas necessidades primordiais, ainda assim parece que algo está faltando, existe um vazio existencial, emocional, até mesmo social que não conseguimos preencher e que causa enorme sofrimento. E a ciência aponta evidências de - falta de compaixão.

SS Dalai Lama em uma conversa com Arianna Huffington disse: “Se dissermos, oh, a prática da compaixão é algo sagrado, não ouço ninguém se pronunciar. Se dissermos que o calor humano realmente reduz sua pressão arterial, sua ansiedade, seu stress e melhora sua saúde, então as pessoas prestam atenção”.

Mas afinal o que significa compaixão? Podemos começar dizendo o que compaixão não é - não é pena e nem piedade.  Compaixão pode ser definido como o reconhecimento do sofrimento do outro e o verdadeiro desejo de aliviar esse sofrimento, e empatia é a ação eficaz e eficiente de promover este alivio, não necessariamente fazendo o que aquele que sofre deseja, mas o que precisa ser feito.

No Ocidente a compaixão pode ser vista como um termo religioso, irrelevante para a sociedade moderna, as pessoas em geral mal conseguem encarar o próprio sofrimento e ser compassivo consigo mesmo (autocompaixão) entrando pela via tortuosa da autocomiseração, julgamento, crítica, vergonha, auto sabotagem, procrastinação e ruminações mentais, quanto mais ter um olhar compassivo para o sofrimento alheio, muito mais difícil ainda quando quem sofre não tem laços ou afinidades. No entanto as principais religiões apontam que a compaixão é boa, e atualmente a ciência vem corroborando este princípio, com estudos profundos sobre a compaixão e a empatia em todos os seus aspectos inclusive a autocompaixão.

Neurociência e Compaixão

Na Universidade da Califórnia Steve Cole, um cientista de neuro genética mostrou em sua pesquisa que a solidão leva a um perfil de stress imunológico menos saudável no nível do gene – sua expressão gênica os torna mais vulneráveis a processos inflamatórios que demonstraram ter efeitos negativos sobre a saúde.

Já os psicólogos especialistas em bem-estar Ed Diener e Martin Seligman indicam que a conexão social é um preditor de vida mais longa, recuperação mais rápida de doenças, níveis mais altos de felicidade e bem-estar e maior senso de proposito e significado. Na Universidade de Emory em Atlanta, Chuck Raison e seus colegas mediram as respostas das meditações baseadas em Compaixão e descobriram que elas reduzem as respostas neuroendócrinas, inflamatórias e os comportamentos negativos ligados ao stress psicossocial. Também foi em Emory que se desenvolveu o Treinamento da Compaixão na Abordagem Cognitiva com Lobsang Tenzin Negi.

As pesquisas realizadas por Stephanie Brown na Universidade de Michigan e na Stony Brook University mostraram que o ato de experimentar compaixão e ajudar os outros (empatia) realmente produz um grande bem-estar mental, emocional e físico, a sobrevivência do mais amável que leva à sobrevivência a longo prazo de uma espécie.  Os seres humanos assim como muitos animais, são instintivamente compassivos, os nossos cérebros estão ligados à compaixão.

Na Universidade de Stanford, o Centro de Pesquisa e Educação de Compaixão e Altruísmo (CCARE) realiza profundas pesquisas com um grande número de cientistas aliados a Budistas Tibetanos como Thupten Jinpa (responsável pelo desenvolvimento do Treinamento para o Cultivo da Compaixão) e Seguyu Rinpoche (que desenvolve pesquisas aliando as técnicas meditativas da Medicina Tibetana aos tratamentos clínicos da medicina ocidental) entre outros para estudar, compartilhar ideias científicas, propriedades psicológicas, fundamentos biológicos, correlatos de saúde e treinamentos da mente em compaixão. Estes encontros científicos entre a Filosofia e a Psicologia do Budismo Tibetano e a ciência ocidental estão transformando e desenvolvendo muitas áreas importantes como a Neurociência, Psicologia, Psiquiatria e outras áreas clínicas, além de criarem as bases para um grande banco de dados de compaixão que fundamentam uma nova linguagem e também motivam novas pesquisas.

A humanidade evoluiu rapidamente, porém rápido demais em relação à nossa habilidade como espécie para evoluir e responder ao avanço da sociedade moderna. Vivemos estressados, o volume de informações diários que inundam a nossa mente é enorme, multitarefas, responsabilidades extremas no trabalho, família, conexão social, saúde e muito mais. Desaprendemos a relaxar, e os níveis de stress são altos e constantes. Tudo isso somado diminui ou quando não, anula nossa capacidade de responder com compaixão, e nos desconecta deste estado inerente a todo ser senciente.

Na sociedade moderna, você tem a liberação crônica, em níveis baixos, de hormônios ou proteínas que são prejudiciais à sua saúde. -  Dr. James Doty (CCARE – Stanford University)

O que a ciência descobriu é que o nosso sistema nervoso não foi criado para ser desencadeado cronicamente. Uma grande variedade de doenças tem como causa a liberação de proteínas inflamatórias liberadas em resposta ao acionamento do stress (sistema luta/fuga), consequentemente ocorre uma diminuição na função ou capacidade do sistema imunológico para responder às ameaças. Devido a isso segundo o Dr Doty (autor do livro: A Maior de Todas as Mágicas), vivemos uma epidemia de stress agravado pelos quadros de transtornos depressivos/ansiolíticos. Vivemos com nosso sistema nervoso superestimulado, mais reativo e rápido em nossos julgamentos e críticas sobre os outros e nossa capacidade de compaixão fica praticamente anulada.

Quando alguém age com intenção compassiva, tem um enorme e enorme efeito positivo em sua fisiologia. Isso os tira do modo de ameaça e os coloca no modo de descanso e digestão. O que acontece quando isso ocorre é o modo como eles reagem aos eventos. Em vez de uma resposta rápida, muitas vezes baseada em medo ou ansiedade, ela permite uma resposta muito mais deliberativa ou criteriosa, que normalmente é muito mais eficaz e mais criativa, porque permite que sua área de controle executivo funcione da melhor maneira possível. Dr Doty

Compaixão como técnica terapêutica

Ao longo dos últimos anos, os estudos científicos desenvolveram diversas terapias baseadas na compaixão, entre elas podemos citar:

·        Terapia Focada na Compaixão (CFT) por Phd Paul Gilbert
·        Treinamento da Compaixão na Abordagem Cognitiva ( CBCT) por Lobsang Tenzin Negi
·        Treinamento para o Cultivo da Compaixão (CCT) – Thupten Jinpa
·        Terapia de Compaixão Baseada Nos Estilos de Apego (ABCT) – Javier Garcia Campayo e M Demarzo
·        Autocompaixão baseada em Mindfulness (MSC) – K Neff & C. Germer

São as mais estudadas, protocoladas e com escalas validadas, que podem ser aplicadas como técnicas psicoterapêuticas, cada abordagem tem seus próprios exercícios, scripts de meditação, treinamentos da mente e escalas validadas, mas todas com amplos benefícios comprovados.

Em geral estas técnicas revelam-se importantes nos tratamentos de:

·        Ansiedade
·        Vergonha
·        Autocrítica
·        Depressão
·        Transtornos de imagens
·        Descontroles emocionais
·        Auto ferimento

O que já foi observado é que muitos indivíduos (terapeutas ou mesmo os próprios pacientes) podem ter medo de trabalhar com a compaixão na abordagem terapêutica, muitos têm dificuldade em compreender a própria compaixão. Outros apresentam dificuldade de trabalhar com estados de consciência mais focado e atento e técnicas de meditação da bondade amorosa com uso de imagens compassivas, e o fracasso pode levar à autocrítica, ou o uso de eventos e pessoas  podem trazer à tona experiências passadas negativas. Para pessoas que estão profundamente envolvidas em emoções destrutivas como a raiva o tratamento pode demorar para ter eficácia.

No entanto, o uso terapêutico da compaixão pode proporcionar o aprendizado de:

·     Exercícios de valorização de atividades ou coisas que o indivíduo gosta, promovendo mudanças para comportamentos positivos;
·     Mindfulness (Foco, Atenção plena) onde o paciente aprende a prestar atenção ao momento presente sem críticas ou julgamentos, desenvolvendo resiliência e aceitação.
·     Exercícios de imagens focados em compaixão para estimular a mente e o sistema fisiológico, além de harmonizar três sistemas cerebrais (Sistema de Satisfação, calma e segurança; sistema ameaça e proteção e sistema de conquista), muitos dos exercícios atual principalmente no sistema de satisfação, ensinando o indivíduo a relaxar e a ter clareza mental.

Assim alguns dos benefícios que podem ser citados são:

·        Melhora no sentimento de felicidade e bem-estar
·        Maior otimismo e aceitação
·        Afeto positivo
·        Autoconhecimento
·        Gerenciamento dos estados emocionais
·        Melhor percepção do mundo
·        Maior importância ao auto cuidado
·        Conscientização da auto crítica como pensamento
·        Escolhas baseadas na sabedoria
·        Iniciativa pessoal
·        Curiosidade e exploração
·        Desenvolvimento da autoconsciência
·        Melhora nos inter-relacionamentos
·        Melhora na conexão social

Como em muitas outras técnicas é de extrema relevância que o profissional aplique as técnicas de Mindfulness e Compaixão consigo mesmo, além de obter os benefícios poderá aplicar com profundidade os exercícios pois compreenderá as dificuldades que o seu paciente poderá enfrentar.

Referências:

1.     Braehler, C., Gumley, A., Harper, J., Wallace, S., Norrie, J. e Gilbert, P. (2013). Explorando os processos de mudança na terapia focada na compaixão na psicose: Resultados de um estudo controlado randomizado de viabilidade. British Journal of Clinical Psychology , 52, 199-214. 

2.     Gilbert, Paul. (2010). Uma introdução à teoria e prática da terapia focada na compaixão e treinamento compassivo da mente para dificuldades baseadas na vergonha. Obtido de http://www.compassionatemind.co.uk/downloads/training_materials/1.%20Workbook_2010.pdf
3.     Gilbert, Paul. (2009). Introduzindo a terapia focada na compaixão. Avanços no Tratamento Psiquiátrico , 15 (3), 199-208. DOI: 10.1192 / apt.bp.107.005264. Obtido de http://apt.rcpsych.org/content/15/3/199
4.     Gilbert, Paul. (2014). As origens e a natureza da terapia focada na compaixão. Revista Britânica de Psicologia Clínica , 53 (1), 6-41. DOI: 10.1111 / bjc.12043
5.     Goss, K. & Allan, S. (2014). O desenvolvimento e aplicação de terapia focada na compaixão para transtornos alimentares. British Journal of Clinical Psychology , 53, 62-77.
6.     Leaviss, J. e Uttley, L. (2014, 12 de setembro). Benefícios psicoterapêuticos da terapia focada na compaixão: uma revisão sistemática inicial. Obtido em http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4413786
7. Garcia-Campayo, J. e Demarzo M. (2018) A Ciencia da Compaixão. Palas Athena
8. Neff, K. D, Germer C.. (2017) Mindfulness & Self Compassion. Lucida Letra

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