sexta-feira, 3 de agosto de 2018

A Morte e o Morrer no Budismo




Uma visão budista sobre a morte o morrer

Este será o primeiro tema do circulo de palestras sobre temas budistas deste ano, agora no Instituto Casa do Encontro. Assim gostaria de falar um pouquinho sobre esta grande sabedoria que o Budismo nos revela em seus profundos ensinamentos.

Vivemos tempos onde celebramos o nascimento e evitamos falar sobre a morte, participamos de cursos sobre partos, cuidados com a gestação (não que eles não sejam relevantes), mas ninguém comenta de cursos ou palestras de como se preparar para que o processo de morrer possa ser feito com presença plena e até mesmo com felicidade. Sim felicidade porque é o momento máximo no nosso processo de evolução.

Os povos antigos se preparavam em vida para este momento, hoje vivemos tempos de negação, a maioria considera até mesmo mórbido ou deprimente a abordagem da morte, que é muito importante, pois afinal a morte é inevitável, e mais cedo ou mais tarde todos nós vamos passar pelo processo do morrer. Assim querendo ou não, é muito importante estarmos presentes e conscientemente nos preparando para esta experiência que pode ocorrer a qualquer momento, e é uma experiência muito preciosa. Para quem se dedica ao autoconhecimento busca a evolução espiritual e o desenvolvimento humano, ser capaz de aprender e provocar mudanças na sua visão sobre a morte e o morrer pode se tornar uma das praticas espirituais mais relevantes.

A Abordagem Budista sobre a Morte

Os ensinamentos budistas buscam preparar as pessoas para a experiência da morte, treinando a mente para que o ser viva de forma consciente e com uma visão bem aberta sobre tudo o que acontece na realidade. Um dos maiores ensinamentos de Budha é que tudo é impermanente, é preciso começar então aceitando que temos vidas finitas. Praticantes de meditação avançados, não só em técnicas como Mindfulness (Shamatha), Loving Kindness (Metta Bhavana) mas também as técnicas de meditação analítica como a do Insight (Vipassyana) aprendem a apreciar a impermanência do momento presente – ou seja, o surgimento e o desaparecimento de todas as coisas. Assim, desenvolver a capacidade que Mindfulness proporciona, de estarmos atentos até mesmo na hora da morte pode ser considerada uma experiência de profunda libertação – o ultimo desapego da vida!

Independente do sofrimento vivenciado, manter a consciência clara de que a mente comum e todas as suas ilusões desaparecem no final, é a grande chance de nos abrirmos para a percepção da consciência e descobrirmos que a natureza da nossa mente é ilimitada. É de profunda relevância conhecermos a natureza da mente enquanto ainda estamos vivos, e este conhecimento pode levar tempo e deixar para buscá-lo no final, quando a morte se aproxima  pode tornar tudo muito mais difícil.

Como o Budista se prepara para a morte e o morrer

Os ensinamentos do Budha nos alerta que o estado mental e mesmo o emocional que carregamos em nossa vida cria o karma que nos leva ao próximo renascimento. Desta maneira, um dos princípios fundamentais é morrer com o máximo de consciência possível, alerta a cada experiência do processo do morrer e manter um estado espiritual saudável, reconhecendo cada momento como único, por isso, o desenvolvimento da atenção plena é muito importante, ela permite que não sejamos atormentados por emoções destrutivas e sentimentos prejudiciais, abrindo espaço para o perdão, a cura de relacionamentos e desapegos de bens ou de formas pensamentos. Sempre existe a oportunidade de curar as nossas feridas da alma.

Cuidadores, enfermeiros e mesmo parentes que estejam próximos de alguém que está passando pelo processo de morrer podem ajudar a melhorar o estado mental, por exemplo: ajudando a lembrar das qualidades e virtudes da pessoa, suas ações e memórias que promovem boas lembranças e felicidade. Praticas de Loving Kindness (Metta Bhavana) ajudam a trazer a compaixão para si mesmo e para os outros, pensar numa divindade de sua crença ou mestres espirituais inspiradores, oportunidade de realizar atos de generosidade e desapego, e manter um ambiente calmo e espiritualmente elevado.

Sobre o Karma

O karma de uma pessoa é na verdade uma verdadeira coleção de energias formada pelas suas ações e reações, assim o karma pode ser negativo, saudável ou mesmo neutro. E ele tem uma importância relevante na determinação do plano de existência que a consciência kármica renascerá. Para aquelas pessoas, que em vida alcançaram o estado de consciência de um Arhant (pessoa que alcançou o nível do Nirvana) tanto no Budismo Theravada como no Tibetano, é possível interromper o ciclo de renascimento; pois sua consciência pode atingir o Nirvana eterno, para aqueles que ainda não atingiram este grau de despertar da consciência, ele pode ir para outros diferentes planos de existência, que são desde reinos superiores até inferiores, inclusive voltar para o reino humano.

Para que não fiquemos, num ciclo vicioso, vagando de um reino a outro, sem paz ou felicidade genuína é preciso que nos libertemos da influencia do karma. Lembramos que Budha passou sua vida dedicando-se a transmitir ensinamentos profundos de como podemos nos libertar deste ciclo de nascimento e morte que provocam tanto sofrimento.

A Meditação sobre a Morte

As escolas Budistas nos encorajam a dedicarmos realmente um tempo para meditarmos sobre o processo de morrer e a morte. Devemos aprender a tomar coragem para enfrentar nossos medos sobre o morrer e a morte, de maneira direta, consciente e disciplinada. Assim podemos desenvolver uma relação e valorização do processo de viver e da vida, ter uma relação contemplativa e pacífica com a morte, o luto ou a perda de entes queridos, porque reconhecemos a morte como uma parte inerente da vida.

Como nos preparar

Existem muitas técnicas meditativas sobre a morte ensinadas por professores budistas, o processo do morrer e do estado intermediário é descrito no Livro Tibetano dos Mortos escrito por Padmasambhava. As pesquisas sobre a morte com pessoas que passaram pelo EQM do Dr. Raymond Moody, Doutor em Psicologia pela Universidade da Georgia, revelaram muitas fases já descritas neste importante texto do Budismo Tibetano. É lógico, que diferentes pessoas, diferentes culturas, crenças e nível de consciência, revelam diferentes percepções e experiências. Logicamente que devemos levar em consideração todos os aspectos da história de um ser. Mas se a pessoa acreditar na vida após a morte e/ou na reencarnação, pode ser muito benéfico se preparar para o processo do morrer e da morte enquanto ainda estamos vivos e saudáveis.

Não sabemos se hoje é nosso ultimo dia, não existem garantias que será rápido, indolor e pacífico. Mas a cada dia que acordamos, precisamos reverenciar a vida, agradecer por mais uma chance de fazermos a diferença, nos engajarmos numa vida espiritual harmoniosa com a vida material, aprendermos a desenvolver a habilidade da atenção plena e a desfrutarmos cada momento com discernimento e sabedoria, porque este dia pode ser o ultimo.

Você não precisa ser budista para se preparar para o processo do morrer e da morte, todos nós vamos viver esta experiência, independente de crença, sexo, idade ou qualquer outra coisa, os ensinamentos estão disponíveis para todos os que desejam, e se tornam um caminho de evolução espiritual e de gratidão pela vida.

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