Atualmente
vivemos uma fase de grande empolgação nas praticas meditativas, mais de 6000
artigos científicos publicados promovem os enormes e profundos benefícios para
a saúde física mental e emocional, o desenvolvimento espiritual, transformações
na estrutura cerebral, melhora nas perspectivas, criatividade, memória, aumenta
a inteligência cognitiva e muito mais. Assim como o numero de publicações
crescem, também crescem os locais de prática e isso é muito bom, pois aumenta o
acesso de interessados na prática.
O
que muitos desconhecem são os riscos da prática. Na minha experiência tanto
como professora de filosofia oriental e ciência contemplativa como terapeuta, a
meditação pode ser sim prejudicial, razão pela qual as minhas aulas são sempre
acompanhadas de estudos de textos para que o aluno possa conhecer as bases filosóficas
que desenvolveram a técnica, conversa individual para conhecer o aluno e sua
busca, sua saúde emocional, física e mental. Desta forma conheço bem cada
aluno, e sabendo antes se uma determinada prática serve a todos do grupo.
Primeiro porque as necessidades e expectativas podem ser diferentes, assim como
é a personalidade de cada um. Por
exemplo: uma pessoa extrovertida ou hiperativa, dificilmente obteria bons
resultados numa pratica de Shamatha ou de Vypassiana; porém uma pratica de Yoga
Nidra que segue uma condução com tonalidade vocal adequada e é previamente preparada
para atingir um propósito, funcionaria muito bem. Uma pessoa que sofre de
artrose ou algum outro problema na coluna vertebral não pode ficar sentada em
determinada postura por um longo tempo, pessoas com Transtorno de Stress Pós Traumático são mais
vulneráveis psicologicamente e podem experimentar dificuldades ainda piores
do que outras com esses técnicas de meditação passiva; transtornos de
personalidade e quadros depressivos também podem tender a se agravar caso não
sejam bem acompanhados.
Como
a meditação promove o contato com o mundo interno, dependendo do que o praticante
acumula dentro de si, e o quanto se desconhece a pratica de meditação pode
liberar: angústias, medos, anseios, emoções destrutivas, bloqueios emocionais e
mentais, transtornos, síndromes, abusos, imagens traumáticas, ansiedade, quadros
depressivos ou seja, uma pintura de Dorian Gray. Muitos pesquisadores estão
estudando os efeitos colaterais de uma prática de meditação não acompanhada por
um professor experiente em aplicar técnicas adequadas. Alguns pesquisadores falam
dos riscos:
1.
Kutz et al. (1985a, b) descreveram os efeitos colaterais da meditação,
como soluços e liberação de memórias ocultas e temas do passado: incesto,
rejeição e abandono.
2.
Outros efeitos adversos descritos (Craven, 1989) são desconfortáveis
sensações cinestésicas, dissociação leve, sentimentos de culpa e, através de
fenômenos provocadores de ansiedade, sintomas semelhantes à psicose,
grandiosidade, euforia, comportamento destrutivo e sentimentos suicidas.
3.
Shapiro (1992) descobriu que 62,9% dos sujeitos relataram efeitos adversos
durante e após a meditação e 7,4% experimentaram efeitos profundamente
adversos. A duração da prática (de 16 a 105 meses) não fez diferença na
qualidade e frequência dos efeitos adversos. Esses efeitos adversos foram
ansiedade e pânico induzidos pelo relaxamento; aumentos paradoxais da
tensão; menos motivação na vida; tédio; dor; teste de
realidade prejudicada; confusão e desorientação; sentindo-se
"espaçado"; depressão; aumento da negatividade; sendo
mais crítico; e, ironicamente, se sentindo viciado em meditação.
Como
Psicoterapeuta que utiliza técnicas da Ciência Contemplativa no set terapêutico,
conheço os profundos benefícios que cada
técnica proporciona, para que tipo de personalidade, o que devo esperar em
reações x respostas, sempre faço ficha de Anamnese e busco saber se o cliente
também se trata com Psiquiatra por exemplo, faço questão que este profissional
saiba da técnica que vou usar e me dê seu aparecer, assim os benefícios são
realmente sentidos e absorvidos pelo cliente. Mas nunca recomendo que pratiquem
em um lugar sem antes conhecerem quem será o professor, sua experiência e que
tipo de acompanhamento ele oferece antes e depois de cada prática.
Além
de que infelizmente muitas pessoas não acreditam que um processo
psicoterapêutico possa ajudá-las não só a se autoconhecerem mas também a
obterem controle e equilíbrio emocional para as diferentes circunstâncias e
experiências. Infelizmente para muitos a terapia ainda é considerada tratamento
para doentes, assim como para muitos profissionais da saúde a meditação é uma
pratica inofensiva.
Há
muitos anos oriento retiros de estudos silencio e meditação. E sempre observo
cada aluno e a liberação de conteúdos: emocional,
mental, física e espiritual que estão armazenados, e que nestas ocasiões
encontram portas abertas para revelar tanto aspectos positivos como sombrios.
Como vivemos tempos de multitarefas, cobranças intensas na vida profissional e
pessoal, relacionamentos conturbados; fazemos muito pouco para processar os conteúdos
emocionais e mentais, resultando assim em um enorme arquivo de informações mal
processadas no corpo e no inconsciente.
Retiros prolongados de meditação são
momentos de muitas descobertas de si mesmo, e nunca devem ser feitos sem antes os
alunos conheçam a programação, técnicas, posturas, exercícios respiratórios, e
que profissional estará à disposição deles caso sintam desconfortos emocionais
e mentais, assim como devem comunicar ao orientador de há algum problema de
saúde física. Infelizmente já conheci casos que houveram danos à coluna
vertebral devido a longas horas de pratica sentada em posição imóvel, sem que o
aluno conhecesse a gravidade de seu caso e nem tivesse avisado ao professor do
problema de saúde.
Quando
sentamos para praticar meditação, desaceleramos, ficamos quietos e nos
conectamos com todo esse arquivo ou conteúdo guardado no nosso mundo interno,
estes conteúdos podem emergir, causando mais danos do que podemos imaginar, e
faz mais mal do que bem, muito embora a princípio o praticante saia da prática
sentindo-se aparentemente relaxado. Mas já aconteceu que durante uma prática de
meditação Mindfulness, um aluno indicado por uma colega psicóloga, que tinha
tido um AVC, e estava se adaptando às sequelas, teve um desequilíbrio
emocional, movido por um profundo ódio. Após retirá-lo da sala, acalmá-lo e chamar
um acompanhante, descobri que ele sofria de Transtorno de Personalidade
Bordeline, são situações que muitas vezes não podemos prever.
As
práticas meditativas são muitas vezes
mal entendidas e romantizadas, alunos surgem buscando apenas relaxamento,
concentração, ou atenção, outros estão atrás de uma prática espiritual, outros adotam uma religião sem conhecer profundamente a filosofia, conceitos, preceitos apenas por modismo ou comodismo.
Mas o que a
grande maioria não sabe é que a meditação ou – dhyana (sétimo Anga dos Sutras de
Pantanjali) – é um processo para elevar a energia espiritual e atingir a
iluminação ou despertar a espiritualidade. No Budismo é um treinamento da
mente, são mais de 84.000 técnicas em processo evolutivo de dificuldade e com
objetivos diferentes, a mais estudada atualmente é a técnica mais simples
aplicada em leigos e/ou monges iniciantes chamada de Shamatha ou Anapanasati e conhecida
no Ocidente como Mindfulness – este treinamento deve desenvolver clareza
mental, estado de plenitude e paciência – necessários para as técnicas mais
complexas. Além de que o Budismo tem diferentes escolas, que ensinam de forma diferente com técnicas meditativas diferentes e até mesmo os monges e os tulkus passam longos anos estudando, fazendo retiros antes poderem ensinar.
No Yoga, o Anga Dhyana não é considerado fácil nem agradável, é o penúltimo
Anga, a muito a ser feito antes de se chegar a ele, daí a necessidade de um
professor de Yoga, e para quem quer ir mais longe nesta busca, há a necessidade de um professor
de espiritualidade ou mesmo um guru ou Mestre (Guru – significa um dissipador
de trevas – porque reflete o quão arriscada e perigosa é a jornada na busca do
Ser), não se chega a iluminação ou despertar espiritual simplesmente lendo livros.
A
prática da Mindfulness foi trazida ao Ocidente na década de 1970 por Phd Jon
Kabat Zinn, ela tem sido muito estudada e aplicada em diferentes contextos clínicos
e apresentado muitos benefícios, mas atualmente especialistas principalmente na
Psiquiatria tem alertado para o uso indiscriminado da técnica sem os devidos cuidados,
como alerta o Phd Thomas Joiner.
Precisamos
saber distinguir corretamente os conceitos de saúde mental e doença mental. Uma vez estabelecido que a prática da
meditação requer um grau de integridade psicológica, permanece o fato de que
ninguém é desprovido de saúde mental. ou totalmente livre de doença mental. As
pessoas têm pontos fortes e fracos. Podemos
dizer que o reparo e o despertar do ego são dois processos que ocorrem de forma
separada e simultânea, que podem se
misturar e influenciar uns aos outros sinergicamente. Essa interação
simbiótica é mal compreendida e exige um profundo entendimento de como a
meditação estimula processos de cura em desequilíbrios
emocionais e mentais. Ao discernir as sequelas psicológicas terapêuticas
de uma prática de meditação, os profissionais da área da saúde mental podem se
aliar a um professor de meditação experiente para desenvolver a estrutura
conceitual necessária para aplicar técnicas de maneira adequada, inteligente e
eficaz em seu trabalho com os pacientes.
Para
concluir, a meditação é uma prática muito poderosa, benéfica que promove
grandes transformações, mas que pode produzir efeitos desagradáveis e até mesmo
prejudiciais, portanto, deve sempre ser praticada sob a orientação de um
professor experiente, que ofereça técnicas adequadas a cada aluno e sua
necessidade ou propósito, e que tenha capacidade de lidar de maneira
significativa com o conteúdo liberado.
Referencias:
JOINER, THOMAS ,
(2017) - Mindlessness:
The Corruption of Mindfulness in a Culture of Narcissism. Oxford University
Press.
CRAVEN,
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KUTZ,
I., BURYSENKO, JK & BENSON, H. (1985a). Meditação e psicoterapia: uma
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KUTZ,
I., LESERMAN, J., DORRINGTON, C., MORRISON, CH, BORYSENKO, J. & BENSON, H.
(1985b). Meditação como um complemento à psicoterapia, um estudo de
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SHAPIRO,
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PEREZ-DE-ALBENIZ,
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